O perdão e a reconciliação contra a violência
Técnica desenvolvida por padre colombiano ajuda a superar o ódio e a sede de vingança, após o trauma
(Por Vera Araújo)
Numa manhã ensolarada de sábado, no 9º Juizado Especial Criminal da Barra da Tijuca, um casal de classe média alta que não conversa e mal se olha, fica sentado diante do juiz, para discutir uma desobediência à visitação do filho menor. Bastaram alguns encontros seguindo a metodologia das Escolas de Perdão e Reconciliação (Esperes) para que no fim de um mês eles voltassem a se entender e não procurassem mais o Judiciário.
Técnica empregada em negociação com a guerrilha
Criadas em 2000 pelo padre colombiano Leonel Narvaez, doutor em sociologia por Harvard, a partir de uma experiência no acompanhamento de tribos africanas nômades em conflito, as Esperes vêm se revelando um meio eficaz para a cura dos malefícios causados pela violência. Ele inclusive aplicou a técnica na área rural da Colômbia, em processos de negociação com guerrilheiros. Segundo a coordenadora Nacional das Esperes no Brasil, que tem a chancela da Pontifícia Universidade Católica, Andrea Paiva, pela metodologia das Esperes é possível controlar as emoções, principalmente a raiva e o desejo de vingança, por meio do perdão e da reconciliação.
— Antes de perdoar uma pessoa, você tem que perdoar a si mesmo. A reconciliação é a celebração do pacto que a pessoa faz consigo mesma ou com o seu agressor. A reconciliação, na qual se promove a justiça restaurativa (cultura da paz pela justiça), não significa que não haverá punição — explicou Andrea.
Adotando as técnicas das Esperes há cerca de dois anos, principalmente em litígios de casais e brigas de vizinhos, o juiz titular do 9oJuizado Especial Criminal da Barra, Joaquim Domingos de Almeida, informou que o aproveitamento dos cursos foi de 100%. Depois da aplicação da metodologia, nenhum incidente voltou a acontecer entre os litigantes, quando, normalmente, eles retornavam com novos conflitos.
— A justiça restaurativa busca a reconciliação, o convívio social, melhorando o relacionamento interpessoal. As Esperes são medidas que restabelecem o amor próprio das pessoas. Sai do litígio e reconstrói uma relação melhor — disse o juiz.
O vice-reitor para Assuntos Comunitários da PUC, Augusto Sampaio, disse que a instituição abriga as Esperes desde 2005: — A finalidade é transformar ódio e vingança em paz.
Além do 9º Juizado Especial Criminal da Barra, as técnicas das Esperes serão aplicadas nas unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), a partir de um convênio que foi assinado entre o órgãos e a PUC. O diretor-geral do Degase, Eduardo Gameleiro, disse que ficou entusiasmado com o método alternativo: — Os cursos vão atingir educadores e 500 adolescentes do Instituto Padre Severino, do Educandário Santo Expedito e da Escola Santos Dumont, além de seus parentes.
Os cursos das Esperes também estão prestes a serem adotados em Nova Iguaçu, no Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor (Criam).
O sociólogo Luiz Eduardo Soares, secretário de Valorização da Vida e Prevenção da Violência do município, acredita tanto na experiência colombiana que viaja este mês ao país para se encontrar com Narvaez: — Se funciona na Colômbia com guerra e feridas profundas, há grande probabilidade de dar certo no Brasil.
Integrante do grupo das Esperes de Niterói, a psicanalista Carmem Cyrino acredita na cura pelo perdão: — O nosso verdadeiro inimigo não é aquele que nos odeia, mas aquele que nós odiamos.
Em 2006, as Esperes chegaram a receber menção honrosa da Unesco, por promover a paz.
X., pedagoga de 45 anos, classe média alta, antes de fazer dois meses de curso, não conseguia se livrar do trauma de ter sofrido abuso sexual por parte do pai, dos 6 aos 11 anos: — Não conseguia mais me relacionar.
Hoje, após ele ter sofrido três acidentes vasculares cerebrais, sou eu quem cuida dele.
Aprendi a me perdoar e a aceitá-lo como pai.
Como funciona
A metodologia aplicada pelas Escolas de Perdão e Reconciliação (Espere) consiste em dez módulos. O primeiro encontro, chamado de zero, é uma explicação geral do que será o curso, mostrando aos participantes que não se aprende as lições lendo, mas vivenciando-as.
No primeiro módulo, são realizadas dinâmicas, iniciando o entendimento do que é o perdão.
Para isso, a Espere desenvolveu a técnica dos três esses (segurança, sociabilidade e significado da vida), dos três pês (permissão para entrar no processo, se sentir protegido e potência para a caminhada) e as quatro dimensões (pensar, fazer, sentir e transcender). No segundo e terceiro módulos, aprende-se os malefícios da raiva e a perceber que perdoar é a melhor alternativa na superação do ressentimento e o ódio provocados pelas agressões.
Nos módulo 4 e 5, o participante analisa o agressor como uma pessoa igual a ele, para, na próxima etapa, traçar o perfil dele. No sexto, ele desfaz-se da dor e reaprende o sentido da vida. Do sétimo ao décimo, trabalha-se com a reconciliação.
Técnica desenvolvida por padre colombiano ajuda a superar o ódio e a sede de vingança, após o trauma
(Por Vera Araújo)
Numa manhã ensolarada de sábado, no 9º Juizado Especial Criminal da Barra da Tijuca, um casal de classe média alta que não conversa e mal se olha, fica sentado diante do juiz, para discutir uma desobediência à visitação do filho menor. Bastaram alguns encontros seguindo a metodologia das Escolas de Perdão e Reconciliação (Esperes) para que no fim de um mês eles voltassem a se entender e não procurassem mais o Judiciário.
Técnica empregada em negociação com a guerrilha
Criadas em 2000 pelo padre colombiano Leonel Narvaez, doutor em sociologia por Harvard, a partir de uma experiência no acompanhamento de tribos africanas nômades em conflito, as Esperes vêm se revelando um meio eficaz para a cura dos malefícios causados pela violência. Ele inclusive aplicou a técnica na área rural da Colômbia, em processos de negociação com guerrilheiros. Segundo a coordenadora Nacional das Esperes no Brasil, que tem a chancela da Pontifícia Universidade Católica, Andrea Paiva, pela metodologia das Esperes é possível controlar as emoções, principalmente a raiva e o desejo de vingança, por meio do perdão e da reconciliação.
— Antes de perdoar uma pessoa, você tem que perdoar a si mesmo. A reconciliação é a celebração do pacto que a pessoa faz consigo mesma ou com o seu agressor. A reconciliação, na qual se promove a justiça restaurativa (cultura da paz pela justiça), não significa que não haverá punição — explicou Andrea.
Adotando as técnicas das Esperes há cerca de dois anos, principalmente em litígios de casais e brigas de vizinhos, o juiz titular do 9oJuizado Especial Criminal da Barra, Joaquim Domingos de Almeida, informou que o aproveitamento dos cursos foi de 100%. Depois da aplicação da metodologia, nenhum incidente voltou a acontecer entre os litigantes, quando, normalmente, eles retornavam com novos conflitos.
— A justiça restaurativa busca a reconciliação, o convívio social, melhorando o relacionamento interpessoal. As Esperes são medidas que restabelecem o amor próprio das pessoas. Sai do litígio e reconstrói uma relação melhor — disse o juiz.
O vice-reitor para Assuntos Comunitários da PUC, Augusto Sampaio, disse que a instituição abriga as Esperes desde 2005: — A finalidade é transformar ódio e vingança em paz.
Além do 9º Juizado Especial Criminal da Barra, as técnicas das Esperes serão aplicadas nas unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), a partir de um convênio que foi assinado entre o órgãos e a PUC. O diretor-geral do Degase, Eduardo Gameleiro, disse que ficou entusiasmado com o método alternativo: — Os cursos vão atingir educadores e 500 adolescentes do Instituto Padre Severino, do Educandário Santo Expedito e da Escola Santos Dumont, além de seus parentes.
Os cursos das Esperes também estão prestes a serem adotados em Nova Iguaçu, no Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor (Criam).
O sociólogo Luiz Eduardo Soares, secretário de Valorização da Vida e Prevenção da Violência do município, acredita tanto na experiência colombiana que viaja este mês ao país para se encontrar com Narvaez: — Se funciona na Colômbia com guerra e feridas profundas, há grande probabilidade de dar certo no Brasil.
Integrante do grupo das Esperes de Niterói, a psicanalista Carmem Cyrino acredita na cura pelo perdão: — O nosso verdadeiro inimigo não é aquele que nos odeia, mas aquele que nós odiamos.
Em 2006, as Esperes chegaram a receber menção honrosa da Unesco, por promover a paz.
X., pedagoga de 45 anos, classe média alta, antes de fazer dois meses de curso, não conseguia se livrar do trauma de ter sofrido abuso sexual por parte do pai, dos 6 aos 11 anos: — Não conseguia mais me relacionar.
Hoje, após ele ter sofrido três acidentes vasculares cerebrais, sou eu quem cuida dele.
Aprendi a me perdoar e a aceitá-lo como pai.
Como funciona
A metodologia aplicada pelas Escolas de Perdão e Reconciliação (Espere) consiste em dez módulos. O primeiro encontro, chamado de zero, é uma explicação geral do que será o curso, mostrando aos participantes que não se aprende as lições lendo, mas vivenciando-as.
No primeiro módulo, são realizadas dinâmicas, iniciando o entendimento do que é o perdão.
Para isso, a Espere desenvolveu a técnica dos três esses (segurança, sociabilidade e significado da vida), dos três pês (permissão para entrar no processo, se sentir protegido e potência para a caminhada) e as quatro dimensões (pensar, fazer, sentir e transcender). No segundo e terceiro módulos, aprende-se os malefícios da raiva e a perceber que perdoar é a melhor alternativa na superação do ressentimento e o ódio provocados pelas agressões.
Nos módulo 4 e 5, o participante analisa o agressor como uma pessoa igual a ele, para, na próxima etapa, traçar o perfil dele. No sexto, ele desfaz-se da dor e reaprende o sentido da vida. Do sétimo ao décimo, trabalha-se com a reconciliação.
Fonte : Publicado no Jornal O Globo do dia 5 de outubro de 2008)
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