quarta-feira, 22 de abril de 2009

Lei 11.106 -modificações na lei penal

Além das modificações anteriormente apontadas e analisadas, e em razão do disposto em seu art. 5º, a Lei 11.106/2005 revogou os incisos VII e VIII do art. 107, os arts. 217, 219, 220, 221, 222, o inciso III do caput do art. 226, o § 3o do art. 231 e o art. 240, todos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal
Sobre os incisos VII e VIII do art. 107
O art. 107 do Código Penal estabelece de forma exemplificativa algumas causas de extinção da punibilidade, não sendo demais lembrar que punibilidade “é a possibilidade jurídica de o Estado impor a sanção”, conforme a objetiva lição de Damásio de Jesus.[1]
Os incisos VII e VIII do art. 107 do Código Penal estabeleciam como causas de extinção da punibilidade o casamento da vítima com o agente e o casamento da vítima com terceiro, respectivamente.
Conforme o texto revogado do inc. VII do art. 107 do Código Penal, a punibilidade seria extinta: “pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II, e III do Título VI da Parte Especial deste Código”.
Nos termos do revogado inc. VIII do art. 107 do Código Penal, também seria extinta a punibilidade: “pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação pena no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração”.
As disposições acima transcritas abrangiam os crimes de estupro, atentado violento ao pudor; posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, sedução, corrupção de menores e rapto (arts. 213 a 221 do CP), sendo imprescindível observar as ressalvas legais que determinavam limitações ao alcance das regras.
Impunha-se a extinção da punibilidade em razão da reparação pelo casamento. Entendia-se que o matrimônio limpava a honra da vítima manchada pelo crime, constituindo, em tese, razão suficiente para a terminação dos questionamentos judiciais acerca dos fatos.
Segundo parece ser o entendimento do legislador, o novo tratamento penal apresentado com a Lei 11.106/2005 não permitia a continuidade dos dispositivos antigos.
Agora, o casamento não mais constitui causa de extinção da punibilidade, e bem por isso algumas vezes a vítima poderá unir-se em matrimônio com o réu, livre e espontaneamente; formar família, e depois ver o cônjuge condenado pela prática da conduta precedente, ensejadora de procedimento na esfera criminal.
Haverá discrepância de conseqüências, pois em se tratando de crimes de ação penal privada a vítima poderá optar pelo não ajuizamento da ação; pela renúncia ao direito de queixa; pelo perdão; e ainda após o ajuizamento da queixa-crime provocar a extinção da punibilidade pela perempção (art. 60 do CPP), caso seja seu desejo, por exemplo, após casar-se com o réu.
De outro vértice, em se tratando de crime de ação penal pública tais institutos são inaplicáveis, e sem a possibilidade de extinção da punibilidade em razão do casamento poderá ocorrer a situação acima aventada, danosa à estabilidade da união familiar.
O tempo dirá se a mudança foi acertada, entretanto, desde já é possível antever situações onde haverá sério problema sócio-familiar que poderia ser evitado com a permanência das regras extirpadas do art. 107 do Código Penal.
Supressão da expressão "mulher honesta" dos artigos 215 e 216
Antes da aprovação da lei que aqui se discute, para se obter a tutela dos artigos 215 e 216 do Código Penal era necessário que fosse passível à mulher a atribuição do adjetivo "honesta".
A expressão mulher honesta é um juízo de valor, que de acordo com os ditames morais da época da redação do Código restringia a proteção a determinadas mulheres em relação aos crimes de posse sexual mediante fraude e atentado violento ao pudor mediante fraude. Dessa forma, tanto as prostitutas, quanto as mulheres consideradas promíscuas não eram abarcadas pela tutela do direito, dando-se pouca relevância ao coito fraudulento com tais pessoas. (1)
Uma primeira crítica que se pode fazer ao adjetivo honesta é a dificuldade de encontrarmos parâmetros para a definição do termo. Justamente por ser um conceito de grande amplitude deve ele estar de acordo com a moralidade vigente. Assim, o comportamento promíscuo, que não mais é tão ofensivo à sociedade, até mesmo pela sua disseminação, não pode servir de justificativa para a retirada dessa mulher da esfera protetiva do direito penal.
Entretanto a discussão sobre o âmbito de abrangência do termo "honesta" se mostra um tanto quanto irrelevante frente à importância do real bem jurídico tutelado. Além de ser uma qualificação preconceituosa, apresenta-se sem sentido, pois o que o direito visa proteger não é a honestidade da mulher, e sim a liberdade sexual da mesma, que tem sua vontade viciada em decorrência do emprego de fraude pelo criminoso (2), tanto no caso do artigo 215, como no artigo 216.
Esse tipo de segregação, como todos os outros, nos leva a uma clara injustiça. Como coloca MARCÃO (2005, p. 7),
"a ausência de honestidade sexual da mulher nunca constituiu imunidade à fraude que pode ser empregada para fins sexuais, e não é ético deixar sem proteção, como forma de "punição" ou "patrulhamento" da liberdade, aquela que se colocou a usar de seu erotismo de forma avolumada, com pouco ou nenhum critério."
De posse desse critério, não há mais motivos para a discriminação da mulher promíscua, e até mesmo da prostituta, tendo em vista que o modo de agirem não os tira a possibilidade de serem vítimas dos crimes a que se referem os artigos em pauta, já que essas não praticam conjunção carnal somente com o intuito de lucro.
Não obstante, o legislador foi ainda mais incisivo nas modificações em relação ao atentado violento ao pudor mediante fraude, previsto no artigo 216. Ao retirar a expressão "mulher honesta", substituindo-a por "pessoas", além de estender a abrangência do artigo a todas as mulheres, como também o fez o artigo 215 no caso de posse sexual mediante fraude, ainda possibilitou ao homem figurar como sujeito passivo do referido crime.
Anteriormente à vigência da lei 11.106/2005, parte da doutrina defendia a não inclusão do homem vítima desse crime (3), já que se acreditava que o dano sofrido pelo homem não é tão considerável quanto o sofrido pela mulher. Data vênia, frente o crescente equilíbrio entre os direitos do homem e da mulher, não se pode negar que o mesmo também é passível de ter sua liberdade sexual ofendida.
Na busca de harmonizar a redação do artigo 216, adequando-a a alteração recém referida, foi suprimida a expressão "permitir que com ela se pratique", presente no caput, substituindo-a por "submeter-se"; do mesmo modo que a palavra "ofendida", presente no § único, foi trocada por "vítima", abrangendo, assim, também o sexo masculino.
1.2 Cumulação da pena de multa com a de reclusão nas hipóteses dos artigos 231 e 231-A
Na antiga redação do artigo 231 sobre o tráfico de mulheres, que agora teve seu nomem criminis alterado para tráfico internacional de pessoas, a pena cominada para as hipóteses previstas no caput, §1º e §2º eram respectivamente: reclusão de 3 a 8 anos; reclusão de 4 a 10 anos; e reclusão de 5 a 12 anos, além da pena correspondente à violência. No seu §3º estabelecia-se a possibilidade da aplicação de multa quando o crime fosse cometido com o fim de lucro.
Com a nova redação estabelecida pela lei em questão foram mantidas as penas de reclusão nos mesmos patamares, e foi revogado o §3º, passando a constar a multa de forma cumulativa com a pena privativa de liberdade nas hipóteses do referido artigo. Do mesmo modo age o legislador ao criar o novo tipo penal tráfico interno de pessoas no artigo 231-A. Estabelece junto com a pena de reclusão de 3 a 8 anos a multa. Com isso, presume o legislador que tal crime será praticado com o fim de lucro (4).
A multa, assim como é aplicada no Brasil de acordo com o sistema dias-multa, foi restabelecida pela Reforma Penal de 1984. Através da média de toda e qualquer renda que o autor do crime aufere em um dia alcança-se o valor de um dia-multa. Deve, ainda, ser considerado a situação econômica e patrimonial do mesmo, atendendo a limites mínimo e máximo (5).
Segundo BITTENCOURT (2003, p. 534),
"ao adotar o dia-multa, retoma o antigo caminho, preservando o sentido aflitivo da multam tornando-a mais flexível e individualizável, ajustando o seu valor não só à gravidade do delito, mas especialmente, à situação econômica do delinqüente."
Ela pode ser adotada como pena principal, de forma isolada, cumulada ou alternadamente, ou ainda como pena substitutiva de liberdade.
A pena de multa tem como objetivo ter um caráter aflitivo sem possuir, contudo, as nefastas conseqüências da privativa de liberdade. Além do mais, traz uma grande economia ao sistema carcerário, sendo estes argumentos relevantes para a defesa de sua aplicação. (6)
Entretanto sua aplicação pode ser questionada em relação à falta do objetivo ressocializante de tal pena, já que esta possui apenas os caracteres retributivo e preventivo. É irrefutável dizer que a idéia de proporcionar uma reabilitação, ao apenado, é basilar ao Direito penal, pois o que se espera do Estado, é que ele além de punir e de impedir futuras transgressões, venha, através da pena, a adequar o indivíduo para um aceitável convívio social.
No entanto, apesar de ser clara a falta de função ressocializante nas penas pecuniárias, tal critica deve ser relativisada, já que as próprias sanções que buscam uma reintegração do indivíduo, como a privativa de liberdade, não atingem tal fim e na maioria dos casos até mesmo agravam a situação deste.
O caráter arrecadatório decorrente da multa também é passível de ressalvas, pois pode vir a representar um desvirtuamento dos objetivos principais do direito penal.
Entretanto, a objeção de maior relevância à aplicação da mesma é a sua utilização de maneira cumulada com a pena privativa de liberdade. De modo que, tendo ambas um caráter retributivo, a cumulação gera efeitos tanto quanto penosos para o condenado, que já está privado de sua liberdade.
Por outro lado, a Lei 11.106/2005 no momento em que insere a pena de multa cumulativamente à privativa de liberdade nos crimes de tráfico internacional e interno de pessoas, ao que parece, age no intuito de onerar ainda mais o delinqüente por ter cometido tais crimes, que objetivam o lucro. Essa medida tem o claro escopo, de além de punir o mesmo pelo crime que realizou, impedir que ele possa usufruir dos frutos que o delito possa ter lhe proporcionado.
Dessa forma, apesar do possível caráter arrecadatório, do acumulo de retribuição por parte do Estado, e da renúncia ao objetivo ressocializante, a pena de multa, mais do que tecnicamente correta, mostra-se vital para a obtenção da justiça na punição aos crimes de tráfico internacional e interno de pessoas.
1.3 Inclusão dos termos "cônjuge" e "companheiro" na redação dos artigos 148, 226 e 227
Nos artigos 148, §1º, inciso I; 226, inciso II; e 227, §1º foram incluídas as figuras do cônjuge e do companheiro, que aqui não apareciam antes da entrada em vigor desta lei que esta sendo analisado.
O inciso I, §1º do artigo 148, e o inciso II do artigo 226, que, respectivamente, regulam o seqüestro e cárcere privado, e as disposições gerais dos crimes contra os costumes, tiveram apenas os acréscimos das palavras cônjuge e companheiro. Por outro lado, o §1º do artigo 227 sofreu a substituição da figura do marido pelas do cônjuge e do companheiro o que levou a uma alteração diferente em relação a ocorrida nos artigos outros dois dispositivos citados.
Além de se adequar melhor ao sistema jurídico atual, a alteração do artigo 227, que dispõe sobre a mediação para a lascívia de outrem, trouxe a possibilidade do sexo feminino figurar como sujeito ativo deste crime, o que antes era possível apenas para o homem. Isso porque cônjuge e companheiro traz a idéia de homem e mulher, enquanto marido fica restrito ao sexo masculino.
Enquanto, para o artigo 227 o cônjuge e o companheiro vieram para ampliar o alcance da palavra marido, para os artigos 148 e 226 elas apareceram como inovações, no sentido de possibilitar o enquadramento do parceiro em tais tipos penais. Com isso, o que antes poderia aparecer como controverso agora é indiscutível.
1.4 Alteração do termo "mulher" para "pessoa" na redação do artigo 231
Primeiramente se alterou a redação do artigo 231 que passa a figurar com o seguinte texto: "Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoas que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro". Além disso, o artigo 231-A, o novo tipo penal inserido no sistema jurídico pela lei 11.106, nasce tendo como seu sujeito passivo qualquer pessoa independente do sexo.
Com isso, o nomem criminis do artigo 231 passou a ser tráfico internacional de pessoas, enquanto o 231-A aparece como tráfico interno de pessoas. Tais mudanças, também, levaram à alteração da denominação do capítulo V, que agora vigora com a seguinte redação: "Do lenocínio e do tráfico de pessoas".
A ampliação da possibilidade de enquadramento do sujeito passivo merece aplauso, já que hoje a exploração sexual atinge, com grande facilidade, os homens, algo que era inimaginável na época da feitura do código.
É importante ressaltar que a Lei nº 11.106/2005 ainda incluiu, no artigo 231, o verbo intermediar que aumentou o alcance deste e conseqüentemente conseguiu abranger condutas ofensivas, mas que não se enquadravam nos verbos promover ou facilitar. Pode se dar como exemplo de intermediação a atividade daquele que efetua, apenas, a negociação entre o aliciador e o dono de casa de prostituição.
Assim esses artigos tornaram-se mais completos e os objetivos de justiça que permeiam todo ordenamento ficam mais próximos.
1.5 Sobre o artigo 226
Além do acréscimo das figuras do cônjuge e do companheiro o artigo 226, ainda sofreu outras três alterações.
A primeira diz respeito à alteração do aumento de pena para os casos do seu inciso II, que, ao se configurarem, passam a elevar a pena na sua metade, enquanto antes do advento da lei em discussão, o aumento, para tais casos, era da quarta parte. Tal mudança ocorreu pela valoração do legislador, que considerou mais gravosos os crimes que o artigo 226 tutela, e que são cometidos pelos agentes descritos no inciso II.
A segunda alteração é em relação aos acréscimos das figuras da madrasta e do tio, que parecem um tanto quanto desnecessárias. Diz se isto, pois os agentes descritos no seu inciso II são meramente exemplificativos, e a preocupação do legislador em colocar tais figuras pode levar a falsa percepção de que somente os descritos poderão sofrer as conseqüências deste inciso.
Porém, a parte final do inciso, onde está escrito "... ou por qualquer outro titulo tenha autoridade sobre ela" é onde realmente se delimita quem está propenso a sofrer tal aumento. Então, os que serão mais severamente punidos nos casos abarcados pelo artigo 226, são os agentes que possuem um certo comando sobre a vítima.
A última alteração seria em relação à revogação do inciso III, que será analisada no ponto 3.4.
1.6 Sobre o artigo 148
Em relação ao crime de seqüestre e cárcere privado houve a alteração do inciso I do §1º, a qual foi comentada no ponto 1.3, e a inclusão de outros dois no mesmo parágrafo.
A adição da qualificadora pelo crime praticado contra menor de 18 anos por meio do inciso IV, leva em conta a maior reprovabilidade da conduta do agente, tendo em vista a presumida maior fragilidade, tanto física, quanto emocional, da vítima menor de idade.
Além do mais, essa mudança confere maior coerência ao sistema que claramente visa proteger de forma mais incisiva as crianças e adolescentes. Nesse sentido é o magistério de MARCÃO (2005, p. 4):
"A modificação é bem vinda, pois, com ela, fica estabelecida a harmonia no sistema de proteção ao menor de 18 (dezoito) anos, em coerência com o disposto na segunda figura do §1º do art. 159 do Código Penal, onde está estabelecido que o crime de extorsão mediante seqüestro será qualificado "se o seqüestro for menor de dezoito anos"."
Já em relação ao inciso V, que contém a qualificadora do crime praticado com fins libidinosos, será mais bem exposto no ponto 3.3, relativo ao rapto.
DO ACRÉSCIMO DO ARTIGO 231-A
Ao tempo em que o tráfico internacional de pessoas, anteriormente com o nome de "tráfico de mulheres", era regulado pelo artigo 231, o tráfico de pessoas dentro dos limites do país não possuía um tipo penal específico.
Desse modo, a doutrina e a jurisprudência apontavam de forma quase unânime a aplicação do artigo 228, "favorecimento da prostituição", quando fossem preenchidas as circunstâncias características do "tráfico interno de mulheres". (7)
Sendo assim, o legislador, por meio da Lei 11.106/2005, definiu um tipo penal específico ao criar o artigo 231-A, que, sob a denominação de "tráfico interno de pessoas", pune quem promova, intermedie ou facilite, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição.
Seguindo a tendência da lei em questão, adotou-se no pólo passivo a palavra "pessoas", que diferentemente da situação anterior, abrange homens e mulheres.
Promover tem o sentido de tomar a iniciativa, executar; intermediar remete a um sentido mais de negociação, assumindo essa pessoa uma posição de mediador dos interesses da pessoa que irá desempenhar a prostituição e do dono do local onde a mesma irá exercer sua atividade; como facilitar entende-se o fato de tornar mais simples; o recrutamento se traduz pela seleção das pessoas que irão desenvolver a prostituição; o transporte é o deslocamento até o local onde é exercida a atividade; transferência é a mudança entre diferentes locais de prostituição; alojamento é o local destinado especificamente ao abrigo dos que exercem o meretrício; enquanto o acolhimento pode ser entendido como o refúgio, amparo, só que sem a destinação específica do alojamento.
Da mesma forma que o artigo 231, esse dispositivo tem o condão de proteger a moral pública sexual, tentando evitar, ainda, o desenvolvimento do comércio de profissionais do sexo. (8)
Aplica-se a ele a pena de 3 a 8 anos, e multa, sendo que suas qualificadoras são as mesmas já presentes no artigo 231, que tutela o tráfico internacional de pessoas.
Como já colocado acima, os tribunais, para abarcar esses comportamentos, que para os quais não haviam regulação expressa, utilizavam-se do artigo 228. Com isso, havia a possibilidade de o legislador manter essa posição, e com uma ampliação das hipóteses do "favorecimento da prostituição" conseguiria abranger tais condutas da mesma forma que o fez o novo artigo 231-A.
Entretanto, acertadamente, com o estabelecimento de artigo específico referente a essa modalidade criminosa, é inegável que se alcançou uma fácil visualização do mesmo, além de uma considerável organização, já que ao estar previsto separadamente, não há mais a necessidade de buscar em outros tipos formas de coibir essa conduta.
DAS REVOGAÇÕES
3.1 Incisos VII e VIII do artigo 107
O artigo 107 do código penal, que elenca as hipóteses de extinção da punibilidade, também foi afetado pela Lei 11.106/2005, tendo seus incisos VII e VIII sendo revogados.
O inciso VII previa a extinção da punibilidade do agente no momento em que esse viesse a se casar com a vítima, sendo que eram abrangidos os crimes do artigo 213 ao 221, com a exceção dos qualificados pelo resultado. (9) Por sua vez, o inciso VIII estabelecia a mesma conseqüência em caso de casamento da vítima com terceiro, nos mesmas hipóteses do inciso anterior, excluindo-se os crimes praticados com violência real ou grave ameaça, desde que ela não requeresse o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 dias a contar da celebração.
Essas modalidades de extinção da pena encontravam apoio no possível caráter reparatório do crime proporcionado pelo casamento, quando se tratava do inciso VII; e na proteção do novo núcleo familiar a vítima venha constituir, concedendo-lhe a privacidade necessária, no caso do inciso VIII.
Porém, a permanência de tais hipóteses de extinção não seria justificada, pois se tratando de caso de ação penal privada, já há a previsão do perdão por parte da vítima, e ao se tratar de ação penal pública, fica clara a maior reprovabilidade da conduta do agente, não sendo merecedor ele, da extinção da punibilidade pelo casamento, tendo em vista que não só a vítima deve ser protegida, mas a sociedade como um todo.
3.2 Artigo 217 – Sedução
O crime de sedução estava previsto no artigo 217 do Código Penal. Visava proteger a virgindade da menor, e se tipificava pela sedução de mulher virgem, menor de 18 e maior de 14 anos, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança.
A inexperiência estava ligada à formação e à cultura da vítima, condizia com sua incapacidade de compreensão do valor ético-social da relação sexual e de suas conseqüências (10), ou seja, sua ingenuidade em relação a sexo. A justificável confiança, por sua vez, se dava quando a jovem, embora não ingênua, confiava nas boas intenções do agente que praticava o crime da sedução.
Esse delito com o correr do tempo passou a ser de difícil configuração, tendo em vista a evolução dos costumes e dos conceitos vigentes na sociedade moderna.(11) A questão da moralidade sexual tem evoluído de tal forma que se torna dispensável a presença desse tipo penal.
O sexo vem ocupando espaço considerável na mídia, com um nível de informações maior dos jovens frente ao assunto, o que leva a dificuldade de caracterizar a inexperiência da vítima. Em relação ao aspecto social, a iniciação sexual dos adolescentes tem se dado de forma cada vez mais precoce, tendo como reflexo, crescentes índices de gravidez na adolescência, ainda mais nas camadas sociais mais pobres, onde se encontrava de forma mais marcante esse tipo penal.
Assim, condutas como carícias persuasivas e a hábil comunicação da lascívia, que antes eram punidas como sedução pelo direito penal, hoje, não mais precisam de tal censura, tendo em vista que são comportamentos normais em envolvimentos amorosos recíprocos, aonde os jovens vão às últimas conseqüências. (12)
Com efeito, fez bem o legislador ao atender aos anseios da doutrina, revogando o crime de sedução, condição indispensável para a adaptação do código penal à sociedade moderna.
3.3 Artigos 219, 220, 221 e 222 – Rapto
Os artigos 219, 220, 221 e 222 do código penal estavam reservados ao crime de rapto. No artigo 219 previa-se a punição ao rapto violento ou mediante fraude, que se configurava a partir do momento em que o agente raptava mulher honesta, por meio de violência grave ameaça ou fraude, para fins libidinosos. O artigo 220, por sua vez, tratava do rapto consensual, em que a raptada deveria ser maior de 14 anos e menor de 21, sendo que o rapto tinha que se dar necessariamente com o seu consentimento.
Ao punir esses comportamentos procurava-se proteger diretamente a liberdade sexual da mulher, resguardando a inviolabilidade carnal da mesma, e em segundo plano a organização familiar e a liberdade individual, no caso do rapto violento ou mediante fraude; e a autoridade tutelar e a moralidade sexual, no que tange ao rapto consensual. (13)
Já os artigos 221 e 222 traziam disposições comuns a ambas modalidades do rapto, sendo que em decorrência da revogação dos artigos precedentes, foram naturalmente retirados do código também.
Em relação a conduta que anteriormente tipificava o crime de rapto violento ou mediante fraude, não deixa ela, com a revogação do artigo que antes a regulava, de ser punida. Ao inserir o inciso V ao artigo 148, que dispõe sobre o crime de seqüestro e cárcere privado, possibilita o legislador que o referido comportamento continue sendo tutelado pelo direito penal. (14) Com esse adendo, no caso de privação da liberdade de alguém, mediante seqüestro ou cárcere privado, se o crime for praticado com fins libidinosos incidirá o criminoso na qualificadora do referido crime.
Esse novo tratamento dado a tal conduta, possibilita a ampliação do rol de vítimas, pois com a supressão do artigo 219, que limitava a tutela somente à mulher honesta, torna-se passível de ser vítima desse crime qualquer pessoa, inclusive os homens. Deve-se ressaltar, entretanto, que não há mais a chance de aplicação das hipóteses de diminuição de pena, anteriormente previstas no artigo 221 (15), e nem do concurso de rapto com outro crime, como previa o artigo 222.
Já o crime de rapto consensual, assim como o de sedução, sobre o qual já se discorreu nesse trabalho, mesmo vigente no código penal, era de rara comprovação, tendo em vista as mudanças culturais pelas quais a nossa sociedade passou. (16) Isso, somado as dificuldades de se obter provas concretas sobre a finalidade libidinosa da conduta do agente, o que era essencial para a configuração do crime, acabaram por tornar desnecessária a previsão desse delito.
A idade de 14 a 21 anos prevista no caput do artigo 220, além de não acompanhar a evolução dos costumes, pois 21 anos é uma idade em que já não se pode presumir uma inocência por parte da mulher, não acompanhou a mudança da maioridade civil, decorrente do advento do novo Código Civil em 2002, que passou de 21 para 18 anos, já que esse foi um dos critérios para o estabelecimento dos limites colocados na redação do artigo.
Quanto ao artigo 222, apesar da sua supressão em decorrência do fato de ter sido revogado todo o capítulo III, não se pode deixar de colocar as críticas que pairavam sobre ele. Ao impor a incidência do concurso material de crimes quando configurado o rapto, concomitantemente com outro delito, esse dispositivo feria o princípio da subsidiariedade, pois quando o rapto era meio necessário para a consumação de crime mais grave, como, por exemplo, o estupro, parece mais sensato que se adotasse a progressão criminosa, que leva à incidência de um único tipo penal. Até mesmo porque o tipo de rapto exigia o dolo específico do fim libidinoso, e a partir do momento em que o agente agia objetivando a prática de outro delito deixava-se de preencher esse requisito. Desse modo, nesse caso, haveria somente um dolo, e não dolo múltiplo, como se exige para a caracterização do concurso de crimes. (17)
Assim, a medida adotada pela Lei 11.106/2005 quanto ao rapto é bastante sensata. A conduta assemelhada ao anterior crime de rapto violento ou mediante fraude ainda é passível de punição, só que agora baseado em outro dispositivo. E os restantes artigos, frente à raridade do rapto consensual, a desnecessidade da manutenção do 221, e a discussão sobre o 222 também foram revogados, só que sem a possibilidade de serem aplicados com fulcro em outros tipos penais.
3.4 Artigo 226, inciso III
O artigo 226, que dispõem sobre o aumento de pena para as condutas constantes nos capítulos I e II dos crimes contra os costumes, teve, além das alterações anteriormente citadas (18), a revogação de seu inciso III, que determinava como majorante da pena o fato de o agente ser casado.
Tal hipótese figurava como qualificadora baseada em dois argumentos. O primeiro seria em relação à impossibilidade do agente reparar o dano através do casamento; o outro argumento está ligado a maior reprovabilidade de tais condutas serem executadas por um agente casado, que teria um dever superior, ao dos demais agentes, em resguardar os princípios éticos e morais da sociedade. (19)
Mais uma vez, o legislador agiu com propriedade ao revogar tal inciso. Primeiramente deve se ressaltar que todos temos o mesmo dever de defender a principiologia ética e moral, independente do nosso estado civil, a reprovabilidade por possíveis ofensas é a mesma, No que tange a irreparabilidade pelo casamento, este inciso perde todo o sentido de ser, pois além do casamento não ser mais forma extintiva de punibilidade (20), aumentar a pena porque o agente não pode reparar o dano fere princípios como o da culpabilidade, da humanidade, da adequação social (21), para não citar o da justiça.
3.5 Artigo 240 – Adultério
Outro tipo criminal revogado foi o adultério, que anteriormente estava previsto no artigo 240. De acordo com a Exposição de Motivos do Código Penal, ao punir o adultero, visava o direito penal proteger a organização ético-jurídica da família e a ordem jurídica do matrimônio. (22)
Entretanto, frente à evolução dos conceitos que envolvem o matrimônio, e a raridade com que era alegado o adultério (23), agiu corretamente o legislador ao descriminalizar tal comportamento, sendo que, inclusive a doutrina já era assente nesse sentido. (24)
A criminalização dessa conduta pelo Código Penal de 1940 era conseqüência de uma época em que o adultério era uma das poucas formas de extinguir o casamento, tendo em vista as grandes restrições judiciais à separação do casal, e a imposição de uma forte moralidade religiosa que preconizava a perpetuidade do relacionamento. Hoje, ao contrário, o direito e a própria sociedade apresentam-se bastante flexíveis em relação ao divórcio, não havendo muitos óbices, senão os sentimentais, ao rompimento dos laços matrimoniais.
Além do mais, ao se buscar a aplicação do adultério, como conseqüência natural, era determinado o suposto cônjuge responsável pelo fim do matrimônio. Essa identificação, do ponto de vista social e para efeitos de tutela do direito civil, era, e continua sendo, desprezível, compreendendo somente a satisfação de um claro desejo de vingança por parte do cônjuge traído. A partilha dos bens, a guarda dos filhos, e até mesmo o provimento de pensão alimentícia não são afetados pela infidelidade de um dos membros do casal. (25)
É de se ressaltar, que o matrimônio, bem jurídico tutelado do crime de adultério, extinto pela Lei 11.106/2005, encontra abrigo, de forma bastante satisfatória, na tutela do direito civil.
Justamente por essa razão é que a descriminalização do delito previsto no artigo 240 atende ao princípio penal da intervenção mínima. O direito penal é a ultima ratio, sendo legítima sua tutela somente se as outras formas de sanção ou meios de controle social revelarem-se ineficazes para a proteção do bem jurídico. Quando as medidas civis forem suficientes para o restabelecimento da ordem jurídica violada, como no caso da proteção ao matrimônio, são essas que devem ser empregadas e não as penais. (26)
Desse modo, esse princípio postula, de acordo com ZAFFARONI & PIERANGELI (1997, p. 359), "a redução ao mínimo da solução punitiva dos conflitos sociais, em atenção ao efeito freqüentemente contraproducente da ingerência penal do Estado".
Assim, a opção do legislador pela revogação desse tipo penal é justificada e, conseqüentemente, bem vinda, considerando-se a satisfatória proteção do direito civil, e os avanços morais da sociedade frente ao assunto.
De longa data a melhor doutrina reclamava a revogação do tipo penal em comento. A jurisprudência também demonstrava a mesma tendência.
Não era difícil perceber que a previsão legal não estava ajustada aos dias atuais.
Com a aplicação da Lei nº 11.106/2005 foram retiradas expressões atrasadas e preconceituosas, como "mulher honesta", a muito criticadas pela doutrina, estendendo a proteção dos dispositivos penais a um número maior de pessoas.
Do mesmo modo, foram revogados artigos em desuso, conseqüência da raridade com que ocorriam, e das dificuldades para preencher os requisitos legais anteriormente previstos nos respectivos tipos penais. Sem contar, ainda, com as demais alterações realizadas.
Ao proporcionar tais modificações, a lei conferiu uma maior coerência e completude ao ordenamento penal brasileiro.
Referências:
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral: volume 1. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial: volume 4. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte especial: volume 3. São Paulo: Saraiva, 1994.

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